O início do projeto de
requalificação da Praia de Iracema, no dia 6 deste mês, despertou Artur Castro
(filho) para tornar público um artigo escrito pelo professor Marçal, em 2006,
no qual ele expressa seu desejo de transformação da Praia de Iracema. Artur
revela que este era um sonho do seu pai, que ele não viu concretizado, mas vai
continuar sonhando junto ao criador.
O Caminito, no bairro La Boca, em Buenos Aires, tem um marketing permanente que o torna visita obrigatória |
Iracema X
Caminito
Professor Antonio Marçal Castro
Julho de 2006
“Caminito que el tiempo há
borrado que juntos um día nos viste pasar, ...”
Quem não se emociona ouvindo um
trecho, ainda que pequeno, de Caminito cantarolado por um guia de turismo, numa
esquina daquele famoso recanto de Buenos Aires?.
A propósito, quanto vale aquele
pedaço de chão? Certamente, muito pouco, não fora a dor de Gabino Coria
Peñaloza expressa naquele tango.
Imagine alguém voltando da capital
Argentina e, na volta, confessar que não ouviu “...Caminito amigo, yo también
me voy....”
Aquele cantinho vale boa parte
dos milhões de dólares que os turistas deixam na Argentina só porque visitar
Caminito é obrigatório.
Compare aquela história com a
lenda de uma virgem, a dos lábios de mel, que nasceu “além muito além daquela
serra que ainda azula o horizonte”.
Não percebe a semelhança? Pois eu
percebo, e sonho com isso. Sonho com a Praia de Iracema, encantadora, com sua
arquitetura preservada, suas ruas estreitas, limpas e iluminadas, com desfiles
de moda, oficinas de dança, sem riscos e livre dos atuais turistas de unhas
sujas e de negócios escusos aportados em terra de ninguém.
Eu sonho com a história de amor
de Iracema e Martim escrita a cada esquina, no mármore ou no chão, como as
partituras de Noel Rosa, em Vila Isabel.
Eu quero de volta a praia dos
amores. Eu quero ver, em cada recanto, uma placa com o nome de uma obra de José
de Alencar. Assim como as que estão no teatro que leva seu nome.
Ele é nosso maior escritor e eu
tenho orgulho de ter lido pelo menos uma dúzia de seus livros, ainda
adolescente. Também li de Dante a Shakespeare, de Molière a Victor Hugo e até
respeito quem prefere Paulo Coelho.
Voltando ao livro de Alencar,
azular o horizonte significa tingi-lo de azul, enquanto, referindo-se à Praia
de Iracema de hoje, o mesmo verbo azular pode significar disparar, fugir,
retirar-se apressadamente. (Consulte o Aurélio.)
Vamos perder a praia de Iracema
por quê? Azulou o Poder ou azulamos nós?
Não penso que esteja faltando
vontade política - arre, que coisa mais antiga – mas acho que, sem demérito,
importaríamos o “tolerância zero”: Em desacordo com as exigências da saúde
pública?
Fecha! Alvarás em desacordo?
Fecha! Dois a zero. Prostituição infantil? Fecha! Três a zero. Feriu a lei do
silêncio? Fecha! Quatro a zero. Eles reabrirão quatro vezes? Fecha mais uma.
Tudo dentro da lei é claro. Cinco a zero. Vamos endurecer o jogo, a causa é
justa. Tão justa que ninguém aqui acredita que algum juiz vai marcar falta
contra nosso time só porque um dos nossos deu um carrinho, de madrugada. E como
conceder minutos de acréscimo não agrada a time que está ganhando, no caso o
nosso, três horas da madrugada é hora de apitar fim de jogo e mandar fechar tudo.
Aposto que você já sabe quem vai
“azular”.
Como estamos em clima de Copa do
Mundo e nosso uniforme é bem amarelinho, para o bem de todos, é preferível que
azulem outras cores.
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