sábado, 6 de janeiro de 2018

Um comparativo em forma de sonho do professor Marçal Castro

O início do projeto de requalificação da Praia de Iracema, no dia 6 deste mês, despertou Artur Castro (filho) para tornar público um artigo escrito pelo professor Marçal, em 2006, no qual ele expressa seu desejo de transformação da Praia de Iracema. Artur revela que este era um sonho do seu pai, que ele não viu concretizado, mas vai continuar sonhando junto ao criador.

O Caminito, no bairro La Boca, em Buenos Aires, tem um marketing permanente que o torna visita obrigatória
Iracema X Caminito

Professor Antonio Marçal Castro
Julho de 2006

“Caminito que el tiempo há borrado que juntos um día nos viste pasar, ...”

Quem não se emociona ouvindo um trecho, ainda que pequeno, de Caminito cantarolado por um guia de turismo, numa esquina daquele famoso recanto de Buenos Aires?.

A propósito, quanto vale aquele pedaço de chão? Certamente, muito pouco, não fora a dor de Gabino Coria Peñaloza expressa naquele tango.

Imagine alguém voltando da capital Argentina e, na volta, confessar que não ouviu “...Caminito amigo, yo también me voy....”

Aquele cantinho vale boa parte dos milhões de dólares que os turistas deixam na Argentina só porque visitar Caminito é obrigatório.

Compare aquela história com a lenda de uma virgem, a dos lábios de mel, que nasceu “além muito além daquela serra que ainda azula o horizonte”.

Não percebe a semelhança? Pois eu percebo, e sonho com isso. Sonho com a Praia de Iracema, encantadora, com sua arquitetura preservada, suas ruas estreitas, limpas e iluminadas, com desfiles de moda, oficinas de dança, sem riscos e livre dos atuais turistas de unhas sujas e de negócios escusos aportados em terra de ninguém.

Eu sonho com a história de amor de Iracema e Martim escrita a cada esquina, no mármore ou no chão, como as partituras de Noel Rosa, em Vila Isabel.

Eu quero de volta a praia dos amores. Eu quero ver, em cada recanto, uma placa com o nome de uma obra de José de Alencar. Assim como as que estão no teatro que leva seu nome.

Ele é nosso maior escritor e eu tenho orgulho de ter lido pelo menos uma dúzia de seus livros, ainda adolescente. Também li de Dante a Shakespeare, de Molière a Victor Hugo e até respeito quem prefere Paulo Coelho.

Voltando ao livro de Alencar, azular o horizonte significa tingi-lo de azul, enquanto, referindo-se à Praia de Iracema de hoje, o mesmo verbo azular pode significar disparar, fugir, retirar-se apressadamente. (Consulte o Aurélio.)

Vamos perder a praia de Iracema por quê? Azulou o Poder ou azulamos nós?

Não penso que esteja faltando vontade política - arre, que coisa mais antiga – mas acho que, sem demérito, importaríamos o “tolerância zero”: Em desacordo com as exigências da saúde pública?

Fecha! Alvarás em desacordo? Fecha! Dois a zero. Prostituição infantil? Fecha! Três a zero. Feriu a lei do silêncio? Fecha! Quatro a zero. Eles reabrirão quatro vezes? Fecha mais uma. Tudo dentro da lei é claro. Cinco a zero. Vamos endurecer o jogo, a causa é justa. Tão justa que ninguém aqui acredita que algum juiz vai marcar falta contra nosso time só porque um dos nossos deu um carrinho, de madrugada. E como conceder minutos de acréscimo não agrada a time que está ganhando, no caso o nosso, três horas da madrugada é hora de apitar fim de jogo e mandar fechar tudo.

Aposto que você já sabe quem vai “azular”.

Como estamos em clima de Copa do Mundo e nosso uniforme é bem amarelinho, para o bem de todos, é preferível que azulem outras cores.

E, enquanto não esqueço, Iracema era guerreira e todas as tribos que emprestaram seus nomes às ruas da praia, também, e ficariam decepcionados se nos esquecêssemos ficaria azul de vergonha, se azulássemos nós.

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